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Na minha época de faculdade, todo aluno de jornalismo aprendia a importância do inusitado para definir o que merece ser incluso no noticiário.
Velhos professores costumavam recitar um clichê: “Cachorro morde homem” não é notícia; “Homem morde cachorro” é.
A inversão da ordem habitual desperta o interesse do público –algo bem distinto do interesse público, mas essa é outra discussão.
Criado profissionalmente no escandaloso Notícias Populares, fiquei surpreso com a repercussão quase nula, no Brasil, de um drama existencial que abala a Coreia do Sul.
O governo local está tentando, pela enésima vez, banir o abate e o consumo de cães. Carne de cachorro é uma tradição alimentar entranhada na cultura coreana, algo que não desaparece facilmente.
Donos de fazendas caninas planejaram um protesto em que 2 milhões de animais seriam despejados para vagar pelas ruas de Seul. A polícia, por enquanto, conseguiu evitar a soltura dos caramelos.
É o lugar-comum do primeiro semestre de faculdade materializado e turbinado: milhões de homens mordem milhões de cachorros. Ainda assim não virou assunto aqui, por falta de atenção dos colegas ou pelo intenso desconforto que o tema suscita.
O incômodo assombra os sul-coreanos desde que a nação traçou a meta de se inserir, cultural e economicamente, num cenário global pautado pelos valores do Ocidente.
Eles fabricam TVs de 700 polegadas, alguns dos melhores celulares do mundo, produzem filmes fantásticos, emplacaram trocentos grupos de K-pop e… comem lulus-da-pomerânia. O consumo de carne canina é incompatível com a imagem de modernidade que a Coreia do Sul vende internacionalmente.
A maior parte dos coreanos trata seus cãezinhos feito crianças mimadas, com ração premium e tosa na pet shop.
Alguns, contudo, seguem almoçando cachorro e mais: reproduzem o cardápio nos países para onde emigram. Fora da lei, naturalmente.
Tenho particular interesse pela cultura e pela alimentação da Coreia. São Paulo deu a sorte de reunir uma numerosa comunidade coreana e, por tabela, muitos bons restaurantes típicos.
Poucas vezes cometi a impropriedade de mencionar a expressão “carne de cachorro” para integrantes dessa comunidade. Recebi de volta caras fechadas, silêncio e desconversa. Não esperava mais do que isso.
Os coreanos que fazem churrasco de cão em segredo talvez não saibam que o costume persiste residualmente em algumas partes da Suíça. Ou que açougues de carne canina funcionaram na França até o começo do século 20.
De cachorro para porco: por que um é amigo e o outro é comida? Essa é uma pergunta, por demais perturbadora, que provocadores veganos fazem insistentemente ao resto da população.
Porcos são tão espertos quanto os cães. Criados adequadamente, tornam-se ótimos animais de estimação, mas pouca gente topa a brincadeira. Onde já se viu passear com bacon na coleira?
A pergunta dos veganos não tem resposta, ela nos coloca numa sinuca de bico. Um dia, o incômodo que ela nos traz será convertido em tensão social palpável, como ocorre agora a Coreia com seus totós comestíveis.
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Fonte: Folha de São Paulo